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O grito do teu silêncio lasciva-me a carne
e os meus ossos esfumaçam-se pelos oceanos.
Não há dia nem noite nem madrugada,
apenas uma névoa cinzenta coberta de maresia. Hoje é dia
e amanhã um novo será. O céu cobre-se tal como ontem se cobriu e cobrirá amanhã,
mas o sangue da tua palavra, a seiva do teu ser hevitará as ruas e as esquinas e as praças.
Talvez seja tarde para nós, talvez somente cedo.
Mas os bardos continuam a ecoar pelas àrvores como pássaros escamados e as rosas a florir de cores vibrantes
e no fim do dia não apareces.
E cai a noite, e nasce o dia.
E a lua nasce e desaparece continuadamente a um ritmo desconcertado, vibrante
Como o pêndulo de um relógio diurno, como a maresia de uma fonte nocturna.
Há sede, há fome, há falta de alimento.
Há tanto para dar e ninguém para receber.
Há um suor a guelras e cágados nas calçadas da vida.
As pessoas chegam e partem sem nunca mexer os pés.
As paredes graníticas tremulam com os gritos das castanhas mal assadas e os pássaros não esvoaçam.
Ao longe um grito, somente um grito.
Uma criança mergulha na espuma da inocência como se não houvesse ontem e os pais transpiram desespero. Um grito ecoa no vazio.
As calçadas enchem-se de passos murmurantes, as janelas estilhaçam com os rostos fechados e indignados pelo grito.
E ao longe, a criança solta um riso infernal.
Os esgotos estremecem, as árvores esvoaçam pelo ar chilreando enquanto as raízes soltam pequenos pedaços de terra fresca. Uma minhoca cai dos altos céus.
A transparente inocência de uma criança acorda os mortos e moribundos, e os pais falecem de aflição, levemente, pé ante pé como um elefante humano numa loja de porcelana.
E há risos e corridas e joelhos feridos.
Quem nunca feriu um joelho que atire o primeiro silêncio.
Há um certo vazio nos dias em que não estou contigo.
Percorro as ruas e os campos, e não sinto o cheiro fas flores ou o cantar dos pássaros,
E nem as madrugadas têm aquela luz polvilhada de maresia.
No fundo, a vida continua sem ti como sempre continuou, calma, serena, turbilhante.
Mas a tua presença, mesmo que distante enche-a de cores e cheiros.
Há uma notável diferença entre tu e o resto
Há uma notável ausência de gritos e cantos quando não estás
e os pardais não esvoaçam por ti.
Haverá pois um destino encantado
Longe do presente
onde o ausente não se encontre.
Haverá pois um mundo onde a tua imagem se encontre reflectida nas águas do mar,
onde o teu rosto esteja recortado por entre as nuvens que saltitam nos azuis dos céus
e o brilho do teu olhar se reflicta na lua.
Talvez.
Mas mesmo assim, os rios continuam a correr incessantemente para o mar e a terra não pára o seu centrifugo girar.
Os gatos não desistem dos ratos e os frutos não param de tentar acertar num alvo imaginário.
Há um certo encanto no mundo contigo,
e,
embora ele continue incólume sem ti,
quando nele mergulhas tudo parece tão diferente e irreconhecível.
Há no Universo dois mundos, e apenas um gostaria de conquistar.
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