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Matam-se dezenas
centenas
milhares de vidas dadas por um Deus
em nome de um outro, ou o mesmo Deus
que dizem ser de paz e amor,
e enquanto uns sofrem a morte outros sofrem pela morte.
Alimentados por ódios inúteis e vinganças fúteis,
mutilações da condição humana
são perpetradas por um ideal inconvexo.
Eis o tempo em que vivemos,
o tempo dos tempos sem nexo.
Na esteira de um passado distante brotam sementes de âmago
e num recôndito sacrárop um iminente grito aguarda,
enquanto na penumbra da noite uma luz persiste ofegante
em quebrar a obscura névoa efesvescente.
No rochedo já o sangue seca à luz da manhã
e o estremecer da luz incendeia os corpos terrestres
e das entranhas do solo, enormes jazigos de vida ecoam no espaço
leves, brutos, eloquentes.
Dos altos ramos das àrvores fantasmas saltam rumo ao suícidio
e o seu sangue derramado alimenta a vida e a morte
o sangue dos fantasmas do passado e do porvir,
o sangue que alimenta a vida das sementes de âmago.
Na verdade,
caminhamos de olhos vendados em direcção incerta,
rompendo a obscuridade da incerteza em passos opacos,
deixando para trás somente um lastro vazio e pegadas sujas.
Maria acordava já a manhã ia bem longe, tomava o pequeno almoço, praticava a higiente matinal, punha a farda de trabalho que lhe assentava que nem uma luva e saia para o trabalho. Era assim todos os dias, ou pelo menos quase todos.
Não havia melhor do que Maria no seu ramo, nenhuma alma tinha tanta versatilidade ou colocava tanto emprenho para que o produto final sai-se o mais perfeito possível, e Maria era, durante a semana, alvo de cobiça e olhares invejosos.
Ao Domingo de manhã, Maria tinha uma outra rotina. Acordava cedo, bem cedo, vestia o vestido creme, estilo conservador anos 50 e abalava para a igreja. Não se pode ser totalmente perfeita, todas têm os seus pecados e Maria sabia-o como ninguém. Sentada no fundo, Maria contemplava o desprezo. O Manuel do talho roçou os olhos nela durante o Pai Nosso, encostando-os rapidamente ao chão. Afinal, os prazeres da carne são um pecado mortal, ou devem ser, de acordo com o homem de batina, padre a tempo inteiro ao fim de semana, pecador às terças entre as 11 e a 1 da manhã.
Durante meia hora, uma comunidade inteira fingia elevar o seu coração aos céus, em busca da purificação e beatificação, quando na verdade, na crua verdade, metade tinha o sangue a fervilhar de ódio e desprezo, enquanto a outra metade orava a um Deus dos prazeres da carne.
A tudo isto Maria achava piada. Maria tinha um sentido de humor estranho a que apensa metade da comunidade achava piada, à excepção do domingo de manhã, pois claro.
Quero acreditar que há um desígnio na condição humana
Há um significado na realidade que encontramos.
Porque,
sem isso o sentido do que convivemos é inatingível
e os corpos amontoam-se na crosta terrestre aos milhares.
Não há, contudo, um sentido contrário à entropia do universo
os homens que enviam sondas para além da Galáxia são os mesmos que matam
e as mesmas civilizações que condenam à miséria milhões de vidas.
Uns apregoam a paz, e tentam selar a paz com bombas e morteiros
outros clamam a convivência pacífica enquanto escravizam.
Numa pequena igreja, outrora foram dadas juras de amor
e hoje um corpo jaz num cemitério, onde o tempo limpa as feridas.
Há uma inconstância incompreensível em tudo isto.
O poder é perseguido, há lideres natos na condução dos destinos.
Mas onde era suposto ser forjado um destino colectivo comum de prosperidade,
há a ambição pessoal. Não há sensatez comunitária.
E os povos bebem sedentos as palavras de ilusão,
marcham alegremente em guerras que não são deles
entoam orações de paz e amor enquanto ceifam vidas
confrontam-se sem se interrogarem da validade dos argumentos que lhes incutiram.
No fundo, a entropia será, provavelmente, o derradeiro destino da raça Humana.
A noite prolonga-se pela escuridão dentro embrulhada num silêncio sem fim
e ao longe ecoa os gritos do teu nome.
Faz frio.
A lua intermitente por entre as nuvens outrora brancas clama o teu nome
e os bichos taciturnos percorrem em busca do teu sabor
e a noite prolonga-se sem fim pela escuridão.
Nas colinas erguem-se castelos
e nos vales as flores cobrem-se de neblina e orvalho,
lagrimas da tua ausência.
Faz sede.
E o riacho ao longe não corre
e os peixes hibernam sem sentidos
e a noite cobre-se de escuridão.
Há estilhaços do beijo que não deste espalhados pelo jardim,
e onde as flores não crescem e o sorriso ímpio das formigas prevalece
pedaços do que não houve de ti não esmorece, cresce pela madrugada fora.
Nas sombras da laranjeira o herege compactua.
É manhã ou noite ou por do sol, pois a luz tolda os sentidos
e a tarde esmorece e estremece só de pensar em ti.
E, no entanto, nesses estilhaços de ti espalhados pelo jardim
há uma refracção impossível de explicar.
Um brilho indómito, um arco-íris permanente e opulente.
Quero limpar o jardim, preciso de o fazer,
mas contigo a meu lado.
Há um país decadente abandonado à espuma dos tempos
onde os novos e os velhos derivam pelas sombras dos dias.
Há um povo sem futuro entregue ao infortúnio
dos castos o ter abandonado às decisões dos outros.
Há moribundos que deambulam pelas ruas
e incultos tomam decisões e os homens não vêm
ou não querem ver
que a alma vai perdendo o brilho e não há luz no horizonte
que ilumine o caminho ou dê um sinal.
Por vezes, somos nós que trazemos a candeia apagada
e podemos iluminar o caminho sem nos apercebemos.
Um fósforo pelo futuro.
Lutemos por um singelo fósforo para cada moribundo, e, quem sabe,
não haverá candeias impolutas a iluminar novamente o caminho.
Não sejas uma pedra imóvel á beira da estrada,
rebola um pouco, segue a maresia e repousa nas areias onde a maré rebenta.
Sente a ondulação rebentar em ti, moldar-te as formas e os sentidos
deixa as ondas levarem-te ao sabor das correntes
mostrar-te o frio, fazer sentir-te o calor dos trópicos e as especiarias.
Não sejas somente uma pedra imóvel na berma do caminho,
porque uma pedra é uma pedra, mas a mesma pedra pode ser uma outra pedra,
e se o caminho pode ser um lamaçal o mesmo caminho pode ser o separar de um vale repleto de vida
e um campo de areias e cloreto de sódio.
Porque uma pedra é uma pedra mas a mesma pedra pode ser uma outra pedra,
escolhe o tipo de pedra que queres ser, e não deixes ser a pedra que não queres.
Porque uma pedra é uma pedra, mas todas as pedras podem ser outra pedra
e a mesma pedra pode estar a beira do caminho,
mas se a pedra quiser, é uma pedra de uma parede de um castelo,
se a pedra quiser é uma pedra de um moinho
ou uma pedra adormecida pelo riacho ou uma montanha.
Mas se a pedra não quiser,
é apenas uma pequena e simples pedra.
Era um sonho de menino emuldurado rusticamente pela imaginação,
o menino cresceu e o sonho foi perdendo o brilho.
A moldura foi sendo corroida pelo tempo e pelos bichos famintos
o sonho foi perdendo a cor, a textura a definição.
Um dia, o menino já grande recordou o sonho emoldurado rusticamente
e partiu em sua busca.
Não encontrou nada mais senão uma tela esbranquiçada outrora coberta de tintas rugosas e cintilantes
com formas perdidas e traços ocultos.
O outrora menino, agora crescido chorou por ter perdido o sonho emoldurado pela imaginação
e as lágrimas que soltou cairam sobre a tela agora esbranquiçada, e soltou ainda mais lágrimas.
Até que, resolveu limpar as lágrimas e o ranho que lhe foi cobrindo o inferior da face,
pegou na tela outrora coberta de cores e texturas e agora esbranquiçada e resolveu pintar outro sonho
e pintou.
E quando terminou de pintar o sonho e a tela outrora esbranquiçada estava já repleta de cores e sentidos e texturas
decidiu emuldurar novamente
e continuou a pintar.
E a tela outrora abandonada e esbranquiçada deu lugar a um sonho sempre vivo e em mutação,
e o menino que cresceu não deixou de ser menino nem de sonhar nem de viver.
Há demasiadas telas esbranquiçadas espalhadas por ai á espera de serem retocadas,
e demasiada ausência de quem as queira pintar,
mas o outrora menino, esse, continua a pintar, e a brincar com as cores da vida.
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